Caminhando pelas ruas de terra de minha cidade, recordei-me da época em que eu morava aí contigo, na grande São Paulo! De fato eram bons tempos, porém incomparáveis com os que passo aqui. O modo de vida e a visão de mundo do povo da cidade grande e do interior são totalmente antagônicos, Lurdes...
Veja minha querida irmã, caminhe para uma janela qualquer de sua casa. Observe o exterior. Estás vendo? Estás vendo as casas decrépitas, apagadas, o reboco das colunas descascados e caídos? Consegue ver essa triste chuva que cai sobre essa região pobre e industrializada, onde as relações sociais são na maioria das vezes com segundas intenções, tão superficiais e falsas! O capital, o luxo e o poder dominam as mentes dos que vivem aí. Pois saiba que o dinheiro representa uma nova forma de escravidão impessoal, em lugar da antiga escravidão pessoal! Se continuares morando aí, sabes como será sua vida? Vai ser como o dia de hoje: Um dia triste, chuvoso, sem luz. Sua velhice futura será assim, minha cara...
Agora veja o que eu tenho para dizer sobre o campo, sobre o interior. Sinto-me demasiadamente extasiado com essa paisagem incrivelmente bela. Sim, incrivelmente bela! Aliás, de fato nosso hino nacional tem razão: “[...] Teus risonhos, lindos campos têm mais flores; Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida no teu seio mais amores [...]”.
Oh, querida Lurdes! E a quantidade de pássaros que passam diariamente por aqui? É enorme! E os seus cantos? O maravilhoso som dessas benditas aves?! É como se eu fosse o rei Salomão, que entendia e conversava com pássaros! Eu entendo essa sensação de liberdade que elas sentem em nossos campos! É estranho, sim, de fato, mas isso é de um realismo fantástico... E o cheiro de terra molhada?
E as plantas que perfumam nosso ar? Já não caminho sobre o solo e, com passo alado, entro no jardim, onde não há ninguém. A esta hora matinal o campo é todo meu, o roseiral me pertence, reconheço as flores nos canteiros.
Desde nossa separação, adotei uma nova filosofia de vida:
Dar valor ao belo e sublime! Então... Abençoados sejam nossos campos, nossos pássaros, nossas flores, pois estes concederam e concedem a meu pobre coração esses momentos de júbilo e felicidade! Meu Deus! Um momento inteiro de júbilo! Não será isto o bastante para uma vida inteira?...
Você está entendendo onde quero chegar querida Lurdes? Diga-me: Estou sendo romântico por demais? É uma pergunta tola, mas eu gosto do romantismo, pois os românticos vão até o impossível para descrever sensações, e isso é totalmente verossímil! E eu quero, ou apenas tento passar-lhe o que sinto aqui. Mas vejo que me faltam palavras, faltam-me adjetivos e advérbios para caracterizar e analisar o clima dessa cidadezinha!
Agora, preste atenção, minha boa, minha amada Lurdes! Juro-lhe que se voltar seremos mais felizes do que nunca! É isso o que eu desejo! Desejo você aqui do meu lado, minha irmã... Pois, que é um homem sem desejos, sem vontades nem caprichos, senão um pedal de órgão?
Desculpe-me por esta carta densa e extensa, desculpe-me mesmo, mas você me conhece, não é? Eu me empolgo nas palavras... Mas agora estou bem cansado, e preciso ir. Amo-te muito e apenas quero o seu bem. Por isso, volte, sim, volte! Vêm viver outra vez...
Dirceu.
Texto por Renan Virgínio.
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